quinta-feira, 29 de maio de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 4

A vida do pequeno Milburges - o Filhinho para os Ribeiros - o Camelico para os Galante -, inconsciente dos eventos dramáticos que envolveram o seu nascimento, desenvolvia-se num ambiente familiar piedoso, assistido carinhosamente pelos pais adotivos, Marcílio e Ninita, que se desvelavam para suprir aquelas necessidades peculiares a todos recém-nascidos considerando-se que o pequeno Milburges era órfão de mãe, a quem não conhecera e, por ela também não conhecido, face ao abrupto desenlace, que a vitimou.
Nos primeiros tempos, o cardápio do pequeno: leite na mamadeira, não havia como escapar dessa realidade. Todavia, providentemente ou oportunamente, três senhoras deram a luz naqueles dias, duas delas da Igreja, uma vizinha dos meus avós, outra era prima da Ninita, a terceira era outra vizinha, de família italiana, e também amiga de minha mãe, eram elas Antonina (a Nina), a Pereira (Goulart) e Eufrásia (não evangélica).
De acordo com os costumes daqueles tempos, os filhos daquelas senhoras vieram a ser minhas irmãs de leite e irmãos de leite: Camélia, Alpina (mães crentes), e Carlos (mãe católica). Isso era muito importante, tanto assim que o esposo da Camélia me trata como se eu, de fato, fosse seu cunhado.
Após aqueles primeiros tempos, meus pais retornaram para a fazenda do José Coelho e Isolina Goulart. Meu “avô” separou uma vaca leiteira, saudável, “curraleira”, que dava leite de excelente qualidade. Eu cheguei a conhecer essa “mãezinha leiteira”, chamada Mansinha. A fazenda distava da cidade cerca de cinco quilômetros, distância que não impedia a freqüência assídua aos trabalhos da Igreja. Era uma festa, pois, além da participação nos trabalhos da Igreja, passava-se um alegre dia na companhia dos parentes da cidade, avós e tios e, por tabela, as mães de leite. Meu avô Zéca, nessa época, possuía um Fordinho 28, o genro Marcílio, era o “chauffeur”, assim se tratava o motorista, que nunca precisou tirar a carteira de motorista para dirigir.
Eu participava de tudo, mas não tomava conhecimento. Quando amadureci um pouco mais, já não havia o Fordinho de bigode, o veículo, agora, era o cavalo, e o carrinho puxado a cavalo, veículo que levava à cidade o leite, frutas, frangos e ovos. Esta temporada na fazenda, foi um dos períodos felizes, dos quais muita coisa está presente na memória. Nesta ocasião o Pastor da Igreja era o Rev. David Lee Williamson (missionário) e sua esposa D. Virgínia Williamson e os seus filhos David Jr e Betinha, queridos amigos, e companheiros de Escola Dominical. Nesta fase, ano de 1934, o evangelista da Congregação Presbiteriana, Pouso Alto, Goiás, deixara a direção da Congregação. Porém, o que o incidente teria a ver conosco? O Pastor responsável pelos atos pastorais, era o Rev. David. Este, conhecendo o casal Marcílio e Gersonita, como conhecia, a dedicação dos mesmos nos trabalhos da Igreja de Araguari, convocou-os assim como Deus convocara à Abraão: “Sai da tua casa, do meio da parentela, e vai para Pouso Alto. Certamente, Deus os abençoará e vocês serão ali uma bênção para aquele rebanho sem liderança no momento, e vocês, por outro lado, se sentirão abençoados”.
Marcílio e Gersonita, apesar dos problemas afetivos que se desencadeariam com a aceitação do desafio, no seio da família, particularmente dos velhos Zéca Coelho e Isolina Goulart, que nunca, até então, haviam se separado da filha Ninita, não hesitaram. E, apesar de não terem aquela qualificação oferecida pelo Instituto Bíblico de Patrocínio, MG, criado pelo Rev. Dr. Eduardo Lane, para a preparação de obreiros leigos (os futuros evangelistas), lá foram eles já cheios de saudade, mas com muito amor e vida cristã para compartilhar com aqueles desconhecidos irmãos.
Eu ainda me lembro, daquela manhã, ali na estação da estrada de ferro, em Araguari, nós três, e uma multidão de irmãos da Igreja, que, na verdade naqueles saudosos tempos, se constituíam numa grande família, no espírito de Atos, 3:42-47; 4:32-35. Porém, bem juntinhos dos três que se arribavam, os familiares, avós maternos, paternos e os tios, se debulhavam em lagrimas. Foi dada a partida e lá fomos nós na sacolejante Maria Fumaça, precisando tomar cuidado com as fagulhas que chegavam trazidos pelo vento. Os homens usavam chapéus. Homem, o decente não abria mão de chapéu. As fagulhas deixadas pela locomotiva (máquina) parecem que tinham como alvo predileto, as capas e as abas dos chapéus. Lembro-me, assim, do buraco que uma fagulha causou na aba do chapéu do meu pai.
De Araguari para Pouso Alto, seguia-se por estrada-de-ferro até a pequena Pires do Rio, em Goiás. A estrada-de-ferro, tinha seu ponto final na cidade de Anápolis.
Pernoitava-se em Pires do Rio, numa pensão próxima à estação, cujos proprietários eram evangélicos, membros da Igreja Cristã Evangélica. De Pires do Rio para Pouso Alto, o único meio de transporte era um caminhão que levava várias mercadorias e as malas do correio, a serem distribuídas nas localidades ao longo do percurso. Sem espaço na cabine, era reservado na carroceria, para levar passageiros, preparada com bancos de tábuas, fixados nas laterais da carroceria. O caminhão tinha uma tolda de lona, que protegia do sol e da chuva, mas que tornava o ambiente aquecido como um forno. A estrada, um suplício, na seca, a poeira, na chuva, o barro, os atoleiros. Iniciava-se a viagem pela manhã e chegava-se a viagem pela manhã e chegava-se à tardezinha em Pouso Alto, quando não se pousava numa das localidades intermediárias: Santa Crus (antiga capital do estado de Goiás) e a Vila de Gameleira, praticamente habitada por evangélicos, da Igreja Cristã Evangélica (mais tarde, Cristianópolis).

domingo, 25 de maio de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 3


A partir, daqueles momentos dramáticos, do nascimento daquela criança e da morte da sua mãe, Ninita e Marcílio, casados há cinco anos e sem filhos, foram convocados pelo Eterno para participarem ativa e definitivamente no Projeto de vida daquele menino.
Tacitamente, o pai, viúvo, os familiares de um lado e do outro, concordaram em que, pelo menos por algum tempo, o menino ficaria sob os cuidados dos tios Marcílio e Ninita.
Após sete meses, o viúvo, contraiu novas núpcias com Laudelina Mendes (a Ladi), que logo iniciou outra família, cujo número de filhos alcançaria a soma de sete, seis meninas e um menino. Duas das filhas faleceram, ficando-lhes um filho (mais velho), e três filhas e outra extemporânea, quando a caçula já estava com quatorze anos.
Camélia e Milburges haviam decidido que se a criança esperada fosse menino teria o nome do pai e se menina, o da mãe. Camélia, a mãe, dedicou àquela criança que crescia no seu ventre ao Senhor, que fosse Pastor. E sentindo-se muito doente e alquebrada de suas forças, ela dizia, invariavelmente, à prima e concunhada Ninita: “Você vai criar o meu filho, e vai encaminhá-lo ao ministério”. Ninita desconversava, mas ela insistia: “Prometa-me, você educará o meu filho e o encaminhará ao Seminário”. A prima prometeu e Camélia ficou tranqüila.
Agora, tudo, acontecera como aquela mãe pressentira.
Marcílio e Gersonita adotaram provisoriamente o menino, porém, como o pai novamente consorciado, adquirira outros filhos, o pequeno órfão, ficou permanentemente com os tios, até que num futuro distante, o Deus Eterno, os convocassem para a mansão dos Salvos. Eles criaram com desvelo, com muito amor e responsabilidade, o pequenino, a quem nunca ocultaram a sua condição de filho adotivo, como também quem era o seu pai biológico com quem sempre se relacionou carinhosamente.
A esta altura do esboço, cremos que todos já concluíram que eu sou aquele menino, nascido a três de agosto de 1928, na cidade de Araguari, Minas Gerais.
Eu, Milburges Gonçalves Ribeiro, ao nascer perdi minha mãe biológica, porém, o Eterno já me tinha provido uma mãe cristã, Gersonita, que me criaria nos caminhos do Senhor. Proveu-me outro pai, moral e espiritualmente qualificado, Marcílio, que apoiou o compromisso assumido com Camélia, antes de o filho nascer.
Meu pai casou-se com Laudelina, minha madrasta, logo eu, agora, teria duas mães. Meus avôs paternos: Cirilo e Mariana, e maternos: Vicente e Maria Augusta (a Cota), e agora, os avôs adotivos: José Coelho e Isolina Goulart Coelho, que viveriam na companhia do neto, por todo o tempo de suas vidas.
Aí está a primeira parte do Esboço de Uma Vida, da minha vida.
“Não fostes vós que me escolhestes a mim, mas eu vos escolhi a vós outros, e vos nomeei para que vades e deis frutos e o vosso fruto permaneça”.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 2

Pelo fato de Marcílio, ter-se aproximado dos Galante, em virtude dos laços de parentesco da esposa Ninita, cinco anos após o casamento deles, três irmãos de Marcílio: Orozima, Estelina e Milburges, passaram a freqüentar a Igreja, apesar da violenta resistência de Cirilo Gonçalves Ribeiro, o pai.
Identifiquemos os outros personagens essenciais dessa história.
Vicente Alonso Galante, imigrante espanhol que não aceitou a ditadura de Franco e veio para o Brasil com irmãos e primos. Um dos irmãos, o Tomaz, preferiu seguir para a Argentina, pela facilidade da língua. Entretanto, por que será que Vicente escolheu fixar-se em Araguari? Ele não sabia, mas o Deus Eterno o escolhera para fazer parte de um Projeto, a se definir no futuro já estabelecido pela Providência. Conheceu, então, aquela que iria compartilhar de sua existência, a jovem Maria Augusta Pires, membro da Igreja Presbiteriana de Araguari, filha adotiva de Gracinda Gonzaga, membro fundadora da Igreja de Araguari e da SAF da mesma Igreja. Vicente Alonso Galante, casado e já convertido e membro da Igreja, foi eleito Diácono da Igreja, na sua organização. O casal Vicente e Maria Augusta, teve sete filhos, três varões e quatro mulheres, destas destacamos as irmãs flores, Violeta, Camélia e Miosótes. (primas da Ninita). Pois bem, já dissemos que o casamento de Ninita e Marcílio, aproximou seus irmãos Milburges, Arozina e Estelina, da família Galante, especialmente da prima Camélia Pires Galante. Por que Camélia? Porque esta era a prima e amiga íntima de Ninita, o que permitiu ao jovem Milburges não só conhece-la, como a alimentar a pretensão de um namoro e casamento. Pedida a mão ao velho Vicente, foi esta concedida, com a mesma observação, que a liberdade religiosa da filha fosse respeitada. Nesse caso não só foi respeitada como em curto prazo para o que Milburges aceitasse o Evangelho e Professasse a sua fé e fosse batizado. Casaram-se, Camélia, todavia, era frágil e a saúde não era boa. Era uma jovem de pele alva, olhos azuis, cabelos loiros e cacheados, simpática, sensível e bela.
Não demorou muito se engravidar. Sua gravidez foi difícil e complicada, a saúde começou a definhar. O seu médico preconizou um parto de risco e preveniu que ela não poderia ser cloroformizada. O clorofórmio era comumente usado, como recurso anestésico para aliviar a dor e a relaxar a tensão nervosa. Aconteceu que ao chegar a hora de Camélia, o médico que lhe acompanhara o processo de gravidez, viajara, e foi necessário apelar-se para outro médico que diante dos problemas verificados no parto, acabou cloroformizando a paciente, e o coração da mesma não suportou. O médico, Prefeito da Cidade, sentindo que iria perder a paciente, observou ao esposo desolado: “pessoalmente, creio que o melhor seria deixar a criança ir junto, pois provavelmente não suportará o “fórceps”; não havia mais condições para a criança nascer naturalmente, só sendo extraída a “fórceps”. O marido pediu ao médico que tentasse salvar a criança. Depois de muita luta, finalmente a criança, um menino, nasceu, muito machucado e ensangüentado. Foi um pânico total, os avós maternos e paternos, estavam ali ao lado solícitos, incluindo a prima Gersonita.
A Igreja de Araguari estava comemorando o seu aniversário, com uma série de conferências, que durariam até o dia 5 de agosto, data do aniversário. O Pastor da Igreja era o Rev. James Woodson (missionário americano), os conferencistas, filhos da Igreja, Revs. Jorge T. Goulart e Galdino Moreira (consorciado com Perola Goulart, irmã de Jorge).
Imaginemos o impacto da notícia do falecimento de Camélia. Pai, irmãos, o cunhado Marcílio, os outros parentes como Zéca Coelho e Isolina Goulart, participavam do culto, naquela noite de 3 de agosto de 1928. Que cenas indescritíveis encontraram ao chegar à residência do Milburges.
É necessário, aqui, registrar mais uma provisão da Providência. Cirilo, o marceneiro – carapina, às vezes, pegava algumas encomendas de móveis e novamente, convocava os filhos varões para ajudá-lo. Nesta ocasião, Milburges e Camélia, ofereceram a sua casa a Marcílio e Ninita, para aquele período de trabalho especial para os Ribeiros.
Perguntaríamos, mas qual o envolvimento deles nos trágicos acontecimentos mencionados?

terça-feira, 20 de maio de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 1

No emaranhado e intricado caminho da vida, o homem não tem condições para, com precisão, determinar o curso da própria vida a fim de atingir propósitos e objetivos. Parece-nos que Tiago tinha uma consciência bastante esclarecida a respeito da “fragilidade dos projetos humanos”. "Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo." (4:14,15).
Nas palavras do Salmista: “Nas tuas mãos, estão os meus dias...”; “no teu livro foram escritas todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.” (31:15;139:16)
Não foi diferente comigo!
Mas, vamos à história, prenúncio da minha própria história.
Personagens que um dia se associariam à minha vida. Nenhum deles poderia prever o desenrolar e o desfecho de eventos que pertenciam, todos eles a economia da Providência Divina.
Assim é que, o marceneiro e carpinteiro Cirilo Gonçalves Ribeiro, sua esposa Mariana Cândida de Jesus e filhos, transferem residência da cidade de Araguari, MG, para o pequeno distrito de Piracaiba. Fora ele contratado para fazer o madeiramento da nova Igreja Católica, da vila. Os filhos varões eram os seus auxiliares: Marcílio (o mais velho), Milburges, Cirilo Filho e João (que além de carpinteiros eram marceneiros). Tanto como carapinas ou como marceneiros, eram muito requisitados pela qualidade dos seus serviços. O velho Cirilo foi ficando, ficando na Vila de Piracaiba. O filho mais velho, o que tinha algum estudo, o primário completo, abriu uma escola e era o sacristão da vila. A família era muito católica e idólatra.
Vamos agora conhecer outros personagens dessa história em esboço. Se os primeiros eram conhecidos pelo inflexível romanismo, estes outros faziam parte da Igreja Presbiteriana de Araguari (Congregação de Piracaiba). José Coelho da Cunha e esposa Isolina Goulart Coelho e a filha moça, já madura, Gersonita, José Coelho (o Zéca), era conhecido como o “fazendeiro colportor”, semeador de Bíblias e Igrejas, Isolina Goulart, dos Goulart de Estrela do Sul, Araguari (irmã do velho Tertuliano Goulart (o Tula) e tia do Rev. Jorge Thomson Goulart), ambos integraram a Igreja Presbiteriana de Araguari, na sua organização. Isoldina foi sócia fundadora da centenária SAF de Araguari, e professora das crianças na escola dominical. Essas duas famílias tão diferenciadas se associariam por que esta era a vontade do Deus Eterno. Gersonita (apelidada de Ninita) conheceu o Marcílio (o mestre escola e sacristão católico romano), simpatizou-se um pelo outro. E o jovem professor atreveu-se a pedir a mão da jovem Ninita, ao sistemático e puritano Zéca Coelho. Para espanto de família Coelho da Cunha, Alves Pereira, Carrijo e Borges e dos Goulart, o pedido foi aceito. Um dos primos da Ninita, interessado na prima, perguntou ao primo Zéca Coelho, “não entendo porque você aceitou o pedido, quando existem moços crentes interessados nela”. O velho Zéca, com sua rude e habitual franqueza, respondeu: “O Marcílio é muito católico, porém, tem a vida de um crente, enquanto você é filho da Igreja mas não vive como crente”. Foi um xeque-mate na pretensão do parente. A única exigência foi que a liberdade religiosa da filha fosse respeitada. Casaram-se, e o genro Marcílio, resolveu ler a Bíblia, às escondidas, visando rebater os argumentos do sogro. Porém, ele não sabia que tudo o que lhe acontecera, fazia parte de um Projeto do Eterno. Assim, após um ano, o jovem Marcílio, que agora trabalhava nas lidas da fazenda do sogro, fazia sua Profissão de Fé e Batismo. Integrado, agora, na família evangélica, Coelho Goulart, integrou-se também na Comunidade da Fé, e dos outros parentes da esposa, os Pires Galante da Igreja em Araguari.