domingo, 13 de julho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 10

O ano de 1948 começou nos surpreendendo, com algumas decisões inesperadas da família. Meus avôs começavam a sentir o peso dos anos, particularmente minha avó, que sofria bastante em virtude de uma bronquite-asmática, precisava da presença constante de minha mãe, que era obrigada a deslocar-se do Frigorífico Anglo (Barretos) para Jaboticabal. Diante desse quadro, a contra gosto do velho Zéca Coelho, a solução que melhor pareceu aos meus pais, foi a venda do sítio. Um senhor, membro da Congregação do Frigorífico, Sr. Benedito, bom crente e bom amigo, aposentara-se de sua atividade no Frigorífico e como se mostrasse interessado, em pouco tempo, pressionados mais pelas contingências familiares, meu avô sacramentou o negócio, cujas condições foram aquelas, comuns, a pais e filhos.
Vendido o sítio, nos transferimos todos para o Frigorífico.
O velho Zéca Coelho, pouco parou ali. Foi para Patos de Minas, passar uns tempos com o filho adotivo Pedro Coelho da Cunha, proprietário de um sítio, na Mata dos Fernandes, onde exercia a profissão de “dentista prático”, e desenvolvia um pequeno estabelecimento comercial no ponto de ônibus, o que lhes permitia oferecer aos passageiros: café, leite, quitandas e salgadinhos. Tia Clara, a esposa, era excelente quitandeira. Vovô se deliciava cultivando milho, mandioca e verduras. Ele não sabia ficar inativo.
As coisas, todavia, não se ajustaram muito bem a minha condição estudantil, que deveria, agora, ser desenvolvida no 2º grau, preferencialmente, no Curso Clássico, o mais indicado para quem planejava o Curso Teológico. Acontece que, Barretos, só oferecia o Científico, o Curso de Contabilidade e o Curso de Professor Normalista. Hoje, depois de tantos anos, sinto que na verdade, foi a precariedade das condições financeiras da família, o motivo que embaraçou as decisões a ser tomadas. Pois, o Seminário não tinha como, via de regra, obrigatoriedade pelo Curso Clássico. Apenas, que julgavam-no mais adequado. O que importava era ter-se concluído o 2º grau. Esta era a exigência.
Cabe aqui, em face desta preferência, uma pequena digressão. Como não era muito comum a existência do Clássico, na rede escolar estadual e nem particulares, foi criado em Jandira, subúrbio de São Paulo, o Instituto “José Manoel da Conceição”, o qual atendia não só aos candidatos ao ministério, mas a outros que não pretendiam o Ministério. O Colégio atendia não só a Igreja Presbiteriana do Brasil, mas também a Igreja Presbiteriana Independente. Os estudantes que demandavam aos seminários da IPB ou da IPI, iniciavam-se em algumas matérias do Teológico. Daí o Conceição ser considerado como um “Seminário Menor”. No meu caso, parece que como num ato falho, ninguém pensou nessa alternativa, que incluía, indispensavelmente, a co-participação da própria Igreja.
Posto isto, voltemos à realidade do ano de 1948. Entendendo, pessoalmente, o desgaste financeiro da família, e as preocupações com os novos encargos familiares, sugeri ao meu pai que eu gostaria de trabalhar aquele ano, a fim de compartilhar das lutas e necessidades, pressentidas. Surgiu uma vaga no escritório do Frigorífico Anglo, um funcionário estava de aviso prévio, reivindicando uma nomeação para funcionário do estado. Trabalhei por trinta dias, ao fim dos quais o funcionário retornou ao seu lugar, porque a sua nomeação não saíra. Senti-me frustrado, levando no bolso o salário recebido, fui para casa. Meus pais estavam em Barretos. Só tive minha avó e a “tia” Galdina para compartilhar a frustração daquele momento.
“Ao Deus único e sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém!” (Rm. 16:27)
Não tive muito tempo para curtir minha frustração. Nós morávamos na Fazenda do Anglo, separada da Vila Pereira (bairro de Barretos), pelo ribeirão. O Patrono da Vila, o proprietário do loteamento, um português de nome Sr. Júlio Pereira, tinha, funcionando no seu armazém, um posto telefônico. Assim é que um seu empregado, foi até a nossa casa, para nos avisar que às 17:00h, daquele dia, alguém deveria estar presente no posto, para atender a um interurbano de São José do Rio Preto (região da araraquarense), Barretos ficava na região da Paulista.
Fiz-me presente às 17:00h no posto telefônico, e para minha surpresa, do outro lado da linha uma voz grave, sonora, comunicativa, ao saber quem do lado de cá estava a atende-lo, me disse: Então você é o Milburges Gonçalves Ribeiro, parente do Rev. Jorge Goulart? Pois bem, você já está matriculado no 1º Clássico, no Colégio Estadual de S. J. do Rio Preto, e vai residir em minha casa.
Como era hora da passagem do ônibus, Barretos-Frigorífico, e meus pais deveriam esta nele, eu o tomei nessa esperança, porque não me continha mais sem compartilhar toda a gama de sentimentos que me tumultuavam. Realmente, papai e mamãe lá estavam e ficaram admirados de me verem e com a cara espelhando uma emoção forte. Da Vila Pereira até nossa casa, foram dez minutos, insuficientes para colocar meus pais a par de tudo.
A perplexidade era grande, pois não entendíamos o que, de fato, acontecera.
(Aos amigos que têm compartilhado aqui esses textos da vida do meu pai, peço que aguardem os próximos para o mês de agosto. É que tirei uns dias de férias e em agosto, se Deus permitir, retorno. Deus abençoe a todos!)

terça-feira, 8 de julho de 2008

QUANDO EU CRESCER, QUERO SER POLICIAL!


Até quando o governo, as entidades representativas, nós, cidadãos comuns, todos,... vamos permitir tudo isso? Será que não existe gente com inteligência no governo capaz de criar um sistema de segurança policial que funcione? Será que os chamados intelectuais do Brasil não podem se unir e elaborar um projeto prático para melhorar nossa segurança pública? Sei lá! Eu sou um burro, mas tem tanta gente capaz... Por que não se unem ou mesmo sozinhos, não dão idéias para o governo. Por que não direcionam o dinheiro apreendido das quadrilhas, do narcotráfico e tudo que é de gente que rouba, das multas aplicadas sobre as empresas ou pessoas físicas mesmo, para o treinamento da polícia? Para ser um médico, um engenheiro, um contador etc. é preciso cursar uma faculdade..., por que não criar um sistema de treinamento policial similar à faculdade, com bastante treinamento em todos os tipos de situações possíveis? o policial teria no mínimo quatro anos para ser treinado antes de ser posto em campo. Os salários tinham que ser ótimos para despertar o interesse de pessoas com condições de serem mais bem preparadas, tinha que ter benefícios assim como as grandes empresas... No mais, treinamento, treinamento e treinamento, sempre. Não é assim que fazem as empresas organizadas? Investem em treinamento porque sabem que o retorno é garantido? Quem sabe ainda vou ver esse dia, o dia em que as pessoas sintam prazer em cumprimentar seus policiais ao invés de virarem o olhar com temor, as mães pararem a polícia na rua para seus filhos pegarem em suas mãos “amigas”, e se as crianças falarem, “quando crescer quero ser policial”, isso dê orgulho aos pais e aos próprios policiais... É bem provável que eu não veja esse dia, mas o menino João Roberto poderia... sim... poderia!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 9


Como meus pais queriam se despedir dos parentes em Araguari, meu avô precisando ver alguns negócios pendentes naquela cidade e ainda, a necessidade de meu pai resolver, também, algo junto à Previdência, fizeram, tais motivos, que eu seguisse junto com a mudança, que ia de caminhão. Assim, seguimos nós rumo para Araguari e eu para Ribeirão Preto, onde a mudança ficaria armazenada até termos definida moradia em Jaboticabal, cidade próxima.
A viagem transcorreu tranqüila até Uberlândia, onde pernoitamos. Em Uberlândia aproveitei a oportunidade para visitar e rever meus avós paternos Cirilo e Mariana. No dia seguinte, seguimos sem novidades até Ribeirão Preto, onde pernoitamos, para no dia seguinte descarregarmos a mudança, num armazém da Mogiana.
Meu pai me autorizara a esperar pela família em Ribeirão Preto, porém, eu resolvi seguir para Jaboticabal. Sabia, apenas, de que um dos líderes da Igreja, se chamava Floriano Simões, e que era o tesoureiro dos Correios. Hospedei-me num hotel de evangélicos, os Mazzeo, que brevemente estariam se mudando para Santos. Todavia, assim, que me encontrei com nosso irmão Sr. Floriano, ele não me permitiu ficar no hotel. Pegou a minha mala, justificou-se com nosso irmão Sr. André Mazzeo, que, na verdade já entregara o hotel aos novos proprietários, e agasalhou-me em seu lar, até que minha família chegasse.
Foi uma semana muito agradável. D. Antonieta, a dona da casa recebeu-me como a um filho, as filhas como se irmão delas. Eu que alimentava desconfianças sobre a hospitalidade paulista, fui desarmado da minha prevenção. A família do Sr. Floriano estava totalmente integrada e envolvida com a vida da Igreja Presbiteriana de Jaboticabal.
Ao fim de uma semana, finalmente, a família chegou, e, todos nos hospedamos no hotel, que fora dos irmãos Mazzeo. Por uma semana, permanecemos no hotel, até que encontramos uma residência adequada, não muito distante do templo.
Enquanto aguardava a chegada da família, de posse da Transferência Escolar de Anápolis, GO, fui até ao Colégio Estadual “Aurélio Arrobas Martins”. Na secretaria do Colégio, a secretária, D. Iracema, constatou que a documentação estava correta, mas não me identificou como aquele de que o documento fazia referência. Olhou-me dos pés à cabeça e parece que não se convenceu de que aquele “jovem cowboy”, diante dela, pudesse ser um estudante. Então, lhe perguntei: “será que não tenho jeito de estudante?” Ela, embaraçada, admitiu e, sorridente deu-me a mão como sinal de boas vindas, ou, está tudo certo “. Matriculara-me na terceira série ginasial. À partir daí não tivemos mais embaraços com a continuidade dos meus estudos.
Começamos a sentir que, de fato, os Caminhos da Providência nos tinham conduzido para Jaboticabal. A cidade limpa, acolhedora, enfrentava o grave problema da escassez de água. Como o precioso líquido nos faltasse, na primeira casa, fomos obrigados a nos mudarmos para outra casa, bem distante da Igreja. Logo, logo surgiu o problema da falta de água. E, agora? Aconselharam-nos a mudarmos para as dependências da zeladoria, desocupada, na ocasião.
Ali não havia falta de água, porque fizeram um depósito ao nível do chão, quando a água da caixa terminava, bastava ligar o motor e o problema estava resolvido. Tudo ia bem. Meu avô comprara um pequeno sítio, cerca de três quilômetros do centro da cidade, onde uma cisterna com bastante água lhe supria as necessidades. A irmã de criação de minha mãe, a “tia” Galdina, fazia companhia aos velhos Zéca Coelho e Isolina Goulart. É inenarráveis a fidelidade e desprendimento dela, para com os seus velhos pais adotivos. Ela tinha sido, desde a sua infância, conduzida aos pés de Jesus, pelos pais adotivos.
Algo, entretanto, começou a medrar na Congregação, que viria molestar e entristecer os obreiros Marcílio e Gersonita, e a mim, tão jovem, revolta. Alguns irmãos, “preeminentes”, alguns se julgando assim mais que outros, não aceitaram muito bem a troca efetuada pela Missão: o missionário Rev. Dr. Eduardo Lane, que não apenas era Pastor Ordenado, mas homem de recursos, por obreiros leigos. (Interessante é que um desses “líderes” estudara no IB de Patrocínio).
Incompreensível e inaceitavelmente, propuseram a meus pais que, pela casa, fizessem o serviço de zeladoria da Igreja. Sem um protesto, eles aceitaram a nova incumbência que lhes foi imposta. Como me doía ver meu pai, descalço, as pernas da calça levantadas e ele e minha mãe lavando, esfregando, encerando, ornamentando, para depois, à frente da Comunidade, exercer o ministério. Eu nunca me furtei a ajuda-los, mas não aceitava tranqüilamente a situação. Foi então, que o Pastor encarregado da ministração dos Atos Pastorais, o Rev. Adauto Dourado de Araújo, tomando conhecimento do que estava ocorrendo, exigiu que se contratassem zeladores para a Igreja, porque esta não era a obrigação dos Evangelistas, aos quais ele valorizava considerando-os como os verdadeiros pastores da Igreja.
Esta atitude do Rev. Adauto, foi reconfortante aos meus pais, restaurando-lhes muito da estima própria. “O irmão, porém, de condição humilde glorie-se na sua dignidade”. (Tg.1:9)
Deus, entretanto, já tinha acionado eventos que iriam mudar tudo. A Missão Oeste do Brasil e o Presbitério de Rio Claro, entraram em mútuo acordo, e a Missão entregou a Igreja de Jaboticabal, ao campo que incluía Guariba, Taquaritinga, reservando-se a jurisdição da Igreja de Barretos, e da Congregação Presbiterial do Frigorífico-Anglo.
Concluída a terceira série em 1946, tendo a família reunida, o ano de 1947 trouxe de novo a necessidade de mais uma mudança. Meus pais foram assumir a Congregação do Frigorífico-Anglo, em Barretos. Eu permaneci em Jaboticabal, com meus avós, no Sítio. Ainda bem que a minha velha bicicleta, quebrava o galho da ida ao Colégio, Escola Dominical. Aos domingos eu ia aos cultos à pé.
No sítio, eu era o companheiro do meu avô, o melhor e mais querido amigo da minha infância, ajudando-o em tudo, dentro da disponibilidade de tempo com o Colégio e tarefas escolares.
Eu aprendi a manejar eficientemente um novo tipo de caneta: o cabo da enxada. Aprendi, também, a manejar o arado puxado a animal, uma égua possante. Entre as ruas do cafezal, plantava-se arroz para o consumo. Eu cortava com o cutelo e depois de um período, para secagem, batia-se os feixes no jirau adequado. Quando o café estava maduro, era hora da colheita. Plantávamos milho e mandioca. O pomar tinha uma variedade de frutas: jabuticaba, abacateiros, laranjeiras, fruta do conde, laranja cravo, carambola, figo, abacaxis. O mercado de frutas de Jabuticabal se saturava logo, e o jeito era vender o que se podia aos revendedores, que comerciavam com São Paulo. Eles nos deixavam as caixas e nós condicionávamos as frutas. No sítio tínhamos uma grande moita de bambu. Um homem que fabricava cestos, começou a fabricá-los à meia. Os cestos eram vendidos para os pequenos produtores de café. Alguns eram usados no sítio para a colheita do nosso próprio café. A minha “tia” Galdina , era perita em torrefação de farinha de mandioca, bem torradinha e de “beiju”. Os balaios eram úteis para acomodar a farinha. Fizemos uma divulgação, verdade que muito pequena, mas a procura pela farinha do “seo” Zéca Mineiro, cresceu. Em todo esse esforço eu tive uma boa parcela de participação.
A vida na Igreja ia bem, embora não tivéssemos pastor ordenado, mas um licenciado ao Ministério, o Bacharel Hélio Cerqueira Leite. Excelente orador, de temperamento afável, solícito, bom de violão e com uma voz agradável, ele compartilhava assim o seu interesse pela mocidade. Após a sua ordenação ele foi para Itápolis, pastorear a Igreja ali.
O que fazer nesta situação? Nós, os membros da Congregação, adultos e jovens nos revezávamos na direção dos trabalhos na sede, e nas congregações de Guariba, Taquaritinga, pontos de pregação, Monte Alto, Lusitana e Fazenda São João.
Finalmente, 1947, chegou ao fim, e lá estava eu todo enfarpelado, vestido de azul marinho (casimira), gravata borboleta, recebendo numa festiva cerimônia, o meu certificado de 4ª série (antigamente “bacharel em humanidades”). Minha madrinha, a professora evangélica, D. Alice de Campos Barreto. (O terno de formatura foi presente dela).
Após a festiva cerimônia, que se prolongou pela noite à dentro com orquestra e danças para os não evangélicos, de posse do “meu tão querido e sonhado” certificado, meus pais, meus tios João Galante e Orozina (irmã do meu pai), que nos visitavam na oportunidade (residiam em Araguari, MG), e eu, retornamos ao sítio, onde, juntos e alegremente, compartilhamos uma farofa de frango, à mineira.
Diria, com a Palavra: “Até aqui nos ajudou o Senhor, Ebenezer.”