sábado, 20 de dezembro de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - Parte 11


Apenas, sentimos que a Providência Divina estava novamente em ação. A decisão, é claro, foi pela afirmativa. A próxima semana nos pegou, a mim e a meu pai, seguindo para São José do Rio Preto. Lá chegando, fomos a procura do Rev. Armando Pena Forte de Amorim, o pastor da igreja, cuja residência ficava ao lado do templo da Igreja Presbiteriana, ali na Rua Prudente de Moraes, meu domicílio durante o ano de 1948.
A nossa curiosidade foi satisfeita quanto ao que sucedera. De tempos em tempos o Seminário Presbiteriano de Campinas promovia uma campanha pró-vocações. Recentemente o Rev. Jorge Goulart, Deão do seminário e primo de minha mãe Ninita, passara por Barretos e estivera conosco, quando tomou conhecimento dos obstáculos que enfrentávamos, quanto à continuidade dos meus estudos. Não fizera ele, na ocasião, nenhum maior comentário, mas, assim que chegou a São José do Rio Preto ele comentou com o Rev. Armando que tinha um “sobrinho”, aspirante ao Santo Ministério, sem recursos para continuar os estudos, o que é que o Presbitério de Araraquara poderia fazer a respeito? Rev. Armando respondeu: quanto ao Presbitério, é cedo para afirmar qualquer coisa, porém, quanto a mim já me decidi, vou trazer o Milburges para São José do Rio Preto.
Ato contínuo matriculou-me na primeira série do curso clássico; aguardava a documentação de praxe para que a mesma se efetivasse. Meu pai e eu fomos para Rio Preto levar os documentos exigidos, para a efetivação da matrícula. Papai retornou a Barretos e eu permaneci, bastante constrangido é verdade, pelo fato de todos me serem desconhecidos. A minha insegurança aumentava, por causa da ansiedade que me dominava. A dona da casa estava viajando com os filhos, aproveitando os últimos dias de férias na cidade de Campinas na casa do pai, o Sr. Germano. Dona Dalila (assim se chamava a esposa do Rev. Amorim), não demorou a retornar, acompanhada de seus quatro filhos: Gilmar (o mais velho, eu o conhecera num congresso da mocidade na cidade de São Carlos, em 1946), Cleomar (a única menina), Edenar e Osmar (o caçula). Imagine-se a surpresa de D. Dalila ao chegar e ser apresentada, segundo as palavras do esposo, ao “novo filho”. A reação não foi nada calorosa, e eu mais encabulado fiquei.
O Rev. Teófilo Carnier pastor da I Igreja de Barretos e encarregado dos atos pastorais junto à Congregação do Frigorífico, tornara-se um bom e grande amigo de meus pais. Fizera ele uma observação preocupante, a respeito de D. Dalila Germano Amorim. Talvez por descender de uma família financeiramente muito bem sucedida, não se acostumara ainda à frugalidade da vida de esposa de pastor pobre, que de grande tinha sua avantajada estrutura física, e um coração tão grande e generoso, quanto ao seu “peito avantajado”, onde lhe pulsava um grande coração. Coração de Pastor!
Tudo acabara por cair no ritmo da normalidade do habitual. Integrado no saio da família, no seio da Família da Fé, a vida estudantil correndo bem. De repente, o susto explodiu como bomba, eu nascera em 1928, portanto em 1948 eu tinha a idade para o obrigatório serviço militar. Esquecêramos totalmente do alistamento competente e, agora, via-me na contingência de perder de não poder matricular-me no Tiro de Guerra, e ter que incorporar-me ao serviço militar, em regime de caserna, de exército. Seria mais uma interrupção no processo de preparação para o seminário.
Entrou, então, em cena o amado presbítero, o médico Dr. Alípio Benedito Cerqueira de Castilho, major médico, reformado do exército. Apadrinhou-me e usando sua influência junto à direção do Tiro de Guerra, conseguiu que eu fosse, finalmente, matriculado no Tiro de Guerra.
O tempo tinha que ser dividido entre o colégio e o Tiro de Guerra. A fim de poupar meu pai do dinheiro que remetia para pagar lavanderia e passadeira, resolvi, eu mesmo, lavar e passar a minha roupa, inclusive o uniforme do colégio e a farda do TG. Pela manhã eu lavava a roupa, após o almoço, aulas. Como a instrução no TG tinha inicio às 18h00, eu saia do colégio, às 17h00, chegava em casa, pegava a farda no varal, mais dura e ressequida que couro. Passava, vestia e seguia para o TG. As outras peças de roupa ficavam sobre a cama, à espera do meu retorno, quando eu passava tudo. Não era muita coisa. O meu guarda-roupa era escasso, bem escasso. Tanto assim que naquele tempo era comum o uso de suspensórios. Eu não fugia à regra. Algo, hilário, acontecia toda semana. Duas calças caqui, do uniforme do colégio, tinham o cós alto porque se usava suspensório. Quando lavava uma das calças, precisava mudar os botões dos suspensórios para a outra calça. Por muito tempo vinha repetindo esta providência, até que, D. Dalila, agora minha amiga, trocou definitivamente aqueles botões, como, também, entregou minha roupa e a “bendita” farda aos cuidados de sua lavadeira e passadeira. Aleluia!
A Junta de Missões Nacionais entregara ao Presbitério os campos de Mirassol, José Bonifácio, Tanabi e Votuporanga. Coube ao Rev. Armando Amorim como Secretário Permanente (executivo), coordenar a assistência ao campo. A partir daí fui aproveitado com freqüência nos trabalhos, pelo campo todo. De sorte que visitava a Congregação de Mirassol, a de José Bonifácio, a de Tanabi, e pontos de pregação. Pelo fato de receber uma gratificação, pequena, pela colaboração, deu-me mais tranqüilidade no desfrutar da hospitalidade do Pastor.
Como as instruções do TG aos domingos iam das 7h00 às 11h00, eu freqüentava a Escola Dominical na Igreja Presbiteriana Independente cujo Pastor era o Rev. Rubens Cintra Damião, meu professor de Grego e de Inglês. Tive, assim, a oportunidade de cooperar com a IPI, lecionando para a mocidade na ED e esporadicamente, dirigindo os estudos bíblicos semanais, e substituindo o Pastor no púlpito, quando solicitado.
Apesar das muitas lutas, de momentos de desânimo, fui ricamente abençoado durante a permanência em São José do Rio Preto (1948). Porque fui amadurecendo em minhas experiências de jovem cristão, como também, definindo com mais objetividade o alvo primário da minha vida. Lembro-me hoje, até com saudade, dos sacrifícios do tempo do TG e do Sgt. Darwia Villar da Costa, um paranaense de maus bofes, que afirmava não gosta de estudantes e de “crentes”.
As Igrejas Presbiterianas e Presbiterianas Independentes, praticamente me adotaram. A generosidade dos irmãos da SAF supriu-me naquilo que me faltava, porém, especialmente o carinho, a amizade e a consideração, para com aquele estudante magricela, mineiro de calcanhar rachado (como se dizia em Minas). Como eu tinha muitos compromissos, tinha uma dificuldade... Não tinha relógio. O Rev. Rubens apresentou-me ao irmão Sr. Scarânio, Presbítero da IPI, e dono de uma relojoaria de porte, para que me vendesse à prazo um relógio. Escolhido o relógio, fiquei todo feliz, pois pela primeira vez tinha um relógio, ao pulso. Por ocasião do meu retorno para casa, fui conversar com o Presb. Scarânio obre o relógio. O Rev. Rubens, para não me constranger, me encaminhara ao irmão Scarânio, mas não me dissera que já havia pagado o relógio (de marca Royce).
Após o TG e em gozo de férias após o primeiro clássico, retornei a família, ainda no Frigorífico Anglo (Barretos). E aí, novamente nos deparamos com os Caminhos da Providência. O Sr. Benedito comprador do sítio de Jaboticabal estava tendo dificuldade no pagamento. Então meu pai e meu avô, com o espírito cristão que os animava, propuseram ao irmão Sr. Benedito a devolução da propriedade, o que evitaria maiores constrangimentos para as partes, e menor prejuízo para meu avô. Pois, por falta de dinheiro, o carrinho e o animal foram vendidos, fato que limitaria muito a comercialização de produtos do sítio, como fazia de primeiro. Nosso irmão hesitou em aceitar a proposta, pois reconhecera que fizera um mau negócio, e queria, o quanto antes voltar para o meio da sua parentela, para os lados de Tietê.
Posto isto, eis-nos de novo, meus avós e eu, e de novo a “tia Galdina” no sítio de Jaboticabal. O segundo clássico seria cursado no Colégio Estadual, onde eu concluiria o curso ginasial, com uma série de novas dificuldades em 1949. O fato, porém, de retornarmos ao convívio antigo com os amados irmãos que ali deixáramos, foi gratificante.
Os acontecimentos de 1949 serão assuntos para: Caminhos da Providência V.