terça-feira, 24 de junho de 2008

ORE POR BEATRIZ FARIA SERVINDO O SENHOR NA ÁFRICA

Há alguns anos firmei o propósito de contribuir financeiramente para a Obra Missionária. Antes eu pensava que por não ter condições de contribuir com uma quantia relevante, não valeria a pena contribuir. Eu estava enganado. Muito enganado! Quantos missionários eu perdi a oportunidade de ajudar por pensar assim?

Na verdade sempre fui incomodado, como se uma voz estivesse sempre falando ao meus ouvidos: é preciso prestar atenção naqueles que dão a vida nos campos missionários.

Eu nunca tive a convicção de seguir esse caminho. Creio que é Deus quem capacita aqueles a quem escolhe, mas nunca me senti inclinado a ser um missionário. Porém, sempre tive a impressão que Deus queria me envolver de alguma forma em missões.

Certa vez, trocando e-mail's com um pastor muito querido, ele me disse o seguinte: "Contribuir é algo que muda a vida da gente. Muda as referências e prioridades. Altera a sensação de prazer e de realização. Subjuga o poder do Diabo como Dinheiro em nossa vida. Eleva os alvos da vida. Faz pensar nos outros; especialmente, muitas vezes, naqueles que nem conhecemos. E, entre outras coisas, nos põe no caminho da generosidade e da fé que lança o pão sobre as águas para só achá-lo depois de muito tempo... E mais, contribuir assim, ativa o princípio espiritual da Vida; pois, Vida é dádiva, é doação, é Graça."

Então, comecei a contribuir. É pouco. Sei disso. Mas a minha contribuição somada a de mais outro irmão, e de mais outro, e de mais outro... ajudam no sustento de muitos missionários.

Tenho enviado ofertas para a Missionária Beatriz Faria (foto aí em cima), e sei que Deus tem os Seus meios para multiplicar os recursos.

Se você que me lê, quiser contribuir também, se desejar, pode começar com essa serva do Senhor que vive para levar a Palavra que Liberta aos povos da África.

Seus dados:

BEATRIZ FARIA - Bradesco - Agência: 0543-6 - C. Poupança: 86589-3

Se quiser se corresponder com ela:

biafrica@hotmail.com ou biaafrica@gmail.com

Lembre-se: "Deus só pode abençoar as pessoas pelos nossos dons se os partilharmos".

segunda-feira, 23 de junho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 8

Bem, o certo é que o meu relacionamento com o Dr. Brasil ficou arranhado e por isso não me senti encorajado a enfrentar a situação. Fizera a segunda série ginasial e de posse da competente transferência, fiquei de férias durante todo o ano de 1945. O tempo era ocupado com atividades na igreja, desfrutando com meu avô e com o amado irmão, Sr. Manoel Calixto (hoje centenário em Brasília), da caça e pesca, nosso esporte preferido. Outro passa tempo, talvez incompreensível para muitos, era estar na fazenda do Sr. José Alves Ferreira, Fazenda Cachoeira, bem maior que a do Monjolinho, doada a um dos genros, enquanto ali, auxiliava nas lidas da fazenda, “batendo pastos” com foice, ajudando na fabricação de tijolos (tinham uma olaria de bom tamanho na fazenda), ou, o que mais me agradava, fazer, a cavalo, o remanejo do gado nas invernadas. Tudo isso, é claro, sem nenhuma remuneração, pois o que contava era sentir o carinho e a amizade daquele ancião muito especial, o patriarca de uma grande família, como também da Comunidade Presbiteriana.
Em 1944, último domingo de julho, fiz a minha Profissão de Fé, com o Rev. James R. Woodson, o pastor que me batizou na minha infância. Tinha eu, quinze anos e tive como companheiro, o irmão Luiz Elias Ferreira, Maria Elias (a tia) e Divina Alves de Souza (nora de José Alves). Luiz Elias é hoje Presbítero Emérito da Igreja, e as duas irmãs continuam firmes na fé.
Retornando a 1945, nós temos como marco político-histórico muito importante para o Brasil, o fim do período da ditadura Vargas e inicia-se o período democrático-representativo, com a eleição do Mal. Eurico Gaspar Dutra, como Presidente da República. Neste ano de 1945, o mundo começou a desfrutar de paz, com o fim da guerra 1940-1944, e no Brasil, o novo governo e o Congresso, resolveram mudar os nomes de várias cidades brasileiras. Assim é que Pouso Alto passou a ser chamada de Piracanjuba, em virtude do Rio Piracanjuba que lhe cortava as terras.
Nosso irmão Luiz Elias Ferreira, resolveu construir a sede de sua fazenda, São Pedro. Para a realização do projeto, foi contratado o nosso irmão Sr. José Elias, querido irmão dos meus tempos de infância, seus filhos meus companheiros daqueles tempos, tinha sua equipe de pedreiros, serventes, nosso irmão Paulico, um rapaz meio simplório, o Pedrão, e o Joãozinho (filho do Sr. José Elias). Joãozinho era meu companheiro inseparável, mas durante o tempo da construção ele estaria na fazenda. Entretanto, como o serviço carecia de mão de obra, eu me ofereci para ser mais um servente. O salário era de dez mil réis por dia, mas como eu não tinha nenhuma experiência, eu me propus ganhar sete mil réis. Proposta irrecusável para a “mãozinha fechada” do “seo” Zé Elias. Foi um período duro: suprir os pedreiros (muito rápidos) de tijolos e barro, e naqueles dias era necessário cortar a madeira na mata, puxa-la com o auxílio de bois, e depois serra-la, nas proporções necessárias ao madeiramento: vigotas, caibros e ripas. Foi uma boa escola, não resta dúvida.
Nesta ocasião, meus pais tinham viajado para Campinas, SP., onde meu pai se submeteu a uma cirurgia nos olhos. De Campinas, eles foram a Jaboticabal, visitar o casal de missionários Dr. Lane e D. Mary (antigos missionários em Araguari e Patrocínio). D. Mary, ao tomar conhecimento das dificuldades que os velhos amigos Marcílio e Ninita, estavam tendo com a minha educação, influenciou seu esposo Eduardo Lane a pedir a transferência deles para Jaboticabal, porque eles estavam se aposentando e de mudança para Campinas. A Missão aprovou a indicação. De sorte que, ao retornarem à Piracanjuba, fomos impactados fortemente com a notícia, que nos deram. A Igreja ficou muito consternada, porque o relacionamento com os obreiros, e a família dos mesmos, era excelente. Meus pais, ao chegarem de Campinas se surpreenderam, por não me encontrarem em casa e, mais ainda quando souberam que eu estava trabalhando de servente de pedreiro, para o “seo” Zé Elias, na construção do Luiz Elias. Chamaram-me incontinente, porque era necessário que eu, também, tomasse conhecimento dos novos planos, os quais, certamente, determinariam mudanças sérias em nossas vidas, particularmente quando eu me sentia como “o motivo” dessas decisões. Confesso que, de imediato, resisti à idéia de mudar-me para o Estado de São Paulo. Meu avô partilhava desse sentimento, mormente porque estava de negócio quase fechado, com uma fazendola, próxima à cidade, com muita água, boas terras, e instalações muito boas e adequadas, e ele, praticamente, estava contando com a minha participação, já que o neto era o objetivo especial, daquele projeto.
Em janeiro de 1946, nos transferimos de Piracanjuba, Goiás, para Jabotical, São Paulo, após uma despedida embebida em lágrimas e muito pesar. Como é preciosa a amizade cristã, quando legítima e autêntica. A distância agora era grande, mas a amizade nutrida e fortalecida ao longo de tantos anos, permaneceria firme, até os dias atuais.
Partimos nós, deixando para trás amigos mais queridos que irmãos, inconsoláveis e não entendendo a razão de ser dessa abrupta mudança. Entretanto, a Palavra nos declara: “Os meus pensamentos e os meus caminhos, são mais altos que os vossos caminhos e pensamentos”.
Entregamo-nos, simplesmente, às mãos da Providência.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 7

A congregação em Ipameri desfrutava de momentos felizes e promissores, o ambiente era agradável e solidário. Grandes e duradouras amizades, algumas antigas desde os tempos de Araguari, como o Sr. Armando Carneiro de Castro, tio dos Revs. Saulo de Castro e Wilson de Castro. Uma sua nora, viúva do Delermano, D. Guilhermina Carneiro Vaz, mãe de numerosa família, era uma mulher extraordinária. Crente fiel, ativa, generosa e liberal, desfrutando de recursos financeiros razoáveis, era proprietária de uma padaria e também uma fazenda para o norte do estado. Ela e minha mãe tornaram-se excelentes amigas, ambas haviam nascido no dia trinta de dezembro de 1900. Três de seus filhos foram meus colegas de admissão e primeira série, o Zé Vaz e a Dalva e a Lindomar (Fia).
Porém, o ano de 1943 trouxe novamente mudanças no plano educacional, com a transferência de meus pais, acompanhados, como sempre, dos meus avós, para Pouso Alto, ponto de referência nas mudanças do contexto de nossa família. Eu não os acompanhei, permaneci em Ipameri, desfrutando da hospitalidade de D. Guilhermina (D. Lilica). Os seus filhos José Carneiro, Dalva, Lindomar, Antônio (o Fifa) e Nanci (a Titã) e o Armando (o Zizito), em quarenta e três, foram para o Instituto Gamon, de Lavras, MG. Com a ausência deles, a minha situação ficou complicada, pois não dispondo de meios, não tive como adquirir o material escolar. Eu me beneficiara, sempre, compartilhando dos livros dos Carneiros Vaz.
Depois de alguns dias, eu decidia deixar o colégio, e por cerca de três meses, comecei a lidar na padaria, aprendendo logo o serviço de mesa, mas o que me deliciava era a oportunidade de conduzir o carrinho puxado a animal, para a entrega dos pães. O padeiro que trabalhava, também nesta entrega, fora acidentado e eu o acompanhava dirigindo o carro. Foi uma experiência agradável, mas os estudos abandonados.
Comuniquei aos meus pais a situação, e eles compreensivos, autorizaram o meu retorno ao lar. Retornar a Pouso Alto foi muito gostoso, pois tinha ali bons e queridos amigos da minha infância. Integrei-me logo no seio da mocidade, participei do pequeno coral, integrei, também, o Esforço Cristão, sociedade que aglutinava homens e senhoras, e entre ele um adolescente de quinze anos incompletos. Neste período, trabalhei como “amanuense” da Coletoria Municipal, no recadastramento dos contribuintes, aproveitando o racionamento do sal. Era ocasião da guerra. Muitos criadores declaravam uma quantidade de animais, muito aquém do que realmente possuíam. Agora, a coisa mudara, porque com o racionamento, cada proprietário receberia uma quota, aquém do necessário. A Prefeitura, desta maneira, atualizando o cadastro, fez novos lançamentos, o que aumentou a arrecadação para o ano de 1944. Mas o serviço foi concluído e eu fiquei desempregado. Porém, como a Prefeitura acabara de construir o novo grupo escolar e não tinha mão de obra para o assentamento dos vitrais, o meu pai que entendia do assunto e que estava colaborando como Tesoureiro da Prefeitura, substituindo um tesoureiro corrupto. Meu pai media, cortava os vidros, preparava a massa de fixação dos vidros, e preparou uma equipe para o assentamento, inclusive o filho, que além do serviço, ficou encarregado do apontamento, que avaliava o rendimento de cada um. O pagamento era proporcional ao rendimento de cada um, dada a urgência da obra. A vida é assim, de amanuense escrevendo a máquina e a mão, para vidraceiro sujo de maça e dente.
Finalmente, em 1944 o Rev. James Woodson, ofereceu-me uma meia bolsa, para o Couto Magalhães, em Anápolis, GO. A bolsa era restrita ao ginásio, mas não abrangia o internato, cama e mesa. Comecei uma outra fase de ocupação: a faxina da escola, o cuidado com os banheiros masculinos. Imaginem, o que a acontecia: meninos do primário, de lugares longínquos de Goiás, ao ponto de que nunca tinham usado uma privada patente com descarga, faziam suas necessidades, então, no piso do banheiro e eu tinha que limpar e lavar tudo. O estomago ficava todo embrulhado, porém, nunca me queixei, e nem comentei com meus pais.
Neste contexto, cumpre-me uma confissão inevitável, apesar de uma razoável aplicação pregressa, eu nunca fora um exemplo de comportamento. Vivia costumeiramente de arrepio com a disciplina escolar. Não era malcriado com os professores, nem briguento, mas achava-me o palhaçinho da classe, e reinava para valer. Quantas vezes, experimentei o desprazer de ficar de joelhos, sobre grãos de milho, na sala da diretora D. Iolanda, uma professora muito distinta, porém, da velha guarda. “A letra com sangue entra!”
Contudo, pelo fato de estar, agora, longe de casa, no internato, e tendo que trabalhar naquele custoso serviço, já referido, o meu temperamento extrovertido, moleque mesmo, foi arrefecido. Com isso, encarei seriamente os estudos, o serviço, já que o exílio tinha por objetivo definido: estudar. De sorte que, ao receber o primeiro boletim mensal, fiquei alegremente surpreso, com as notas e especialmente, pelas observações: Aproveitamento: ótimo; Comportamento: ótimo. Meus pais, ao receberem o Boletim, escreveram-me, cumprimentando-me pela vitória, inclusive o meu pastor Rev. James Woodson.
Esta experiência positiva, à partir daí, determinou uma mudança radical no meu comportamento. Tanto assim, que depois de dois meses, o Prof. Brasil, promoveu-me a auxiliar de disciplina do colégio, integrando-me à equipe, por ele escolhido, para tal fim. Sentir-me útil e responsável foi muito gratificante, os resultados acompanharam-me para sempre, e nunca mais fui castigado por indisciplina. Passei a ver os meus professores como bons e respeitáveis amigos e fui recompensado pela estima deles.
Todavia, algumas atitudes do diretor, apesar de espontâneo e às vezes brincalhão, eram incompreensivelmente autoritárias e arbitrárias. Naquele tempo, quiçá, muito preocupado com dinheiro. Tanto assim, que para ter espaço à mesa do refeitório, tive que cuidar da alimentação, procurando a pensão de D. Tia Couto (abençoada irmã que me tratou mais como filho do que freguês); quanto ao dormitório, no velho salão de culto presbiteriano, passei a dormir numa dependência inacabada, nos fundos do terreno, compartilhando com o “marceneiro”, João Alvim, um espaço nas dependências da sua oficina.
Surpreenderam-se comigo, pois somente, agora, quando comecei a alinhavar estas memórias é que me conscientizei de que tendo o curso ginasial, já coberto pela bolsa oferecida pelo Rev. James Woodson, e não me alimentando e nem mais dormindo no dormitório, eu continuei com aquelas atividades que complementariam as minhas despesas. Só hoje é que eu me dei conta do acontecido. Contudo, dou graças a Deus por tudo.

terça-feira, 10 de junho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 6

Retornamos a Pouso Alto, e neste retorno minha avó Isollina Goulart, estava conosco.
Resolveu-se fazer uma pintura e reforma nas acomodações reservadas para uso do obreiro e sua família. O que nos levou de volta à Fazenda Monjolinho. Em Araguari, meu avô liquidou os negócios, vendeu a fazenda, o gado e aplicou o capital numa Casa Bancária, na transação da fazenda recebeu uma boa casa residencial bem alugada. Era casa adequada ao comércio, o que lhe permitiu de imediato um inquilino que lhe pagou um aluguel razoável, para aquele tempo.
Zéca Coelho, apenas não vendeu um cavalo marchador, um baio, com que presenteara a esposa. Seguiram, os dois, por estada de ferro, até Pires do Rio, de onde a cavalo seguiu para Pouso Alto. Nunca me esquecerei daquela tarde, quando meu avô, todo empoeirado, chegou a Fazenda Monjolinho, do irmão José Alves Ferreira, montando o baio de minha avó. Era tempo, ainda, da moagem de cana.
Poucos dias após a chegada do meu avô, retornamos à cidade, pois meu avô alugou uma casa grande, que nos acolheu a todos comodamente.
Em Pouso Alto comecei a estudar. Já fora alfabetizado por minha mãe. Passei pelo grupo escolar da cidade, dirigido por uma diretora carola. Não demorou muito, depois de uma violenta agressão praticada contra mim, levei uma canivetada, a diretora simplesmente pediu a meu pai que me tirasse da escola. Daí, fui estudar com D. Nházica, uma professora particular, de poucos recursos, membro da Igreja, e que ainda usava a palmatória. Depois, como duas irmãs abriram uma escolinha, na casa da mãe delas, passei um período sob a tutela delas. O que foi muito bom. Ambas evangélicas, assim como toda a família, fruto do trabalho do meu pai.
Ao final do ano de 1935, o Rev. David, avaliando os resultados do trabalho realizado, por Marcílio e Gersonita, aconselhou-os a fazerem o curso de evangelista, no Instituto Bíblico de Patrocínio, MG. A Missão providenciou e subsidiou tudo. Assim, no começo de 1936, mudávamos todos nós para Patrocínio. Desta vez o cavalo baio de minha avó, não nos acompanhou. Foi necessário vende-lo. Até o meu jumentinho, presente do meu avô, foi vendido.
Os anos de Patrocínio passaram rápidos, mas felizes e abençoados. Matriculou-me na Escola Erasmo Braga, da Igreja. Aí, sim, tive professores qualificados e competentes, autênticas, servas do Senhor. Ali fiz, oficialmente, porque a escola era reconhecida, os 1º e 2º anos primários. Preciosas amizades se desenvolveram nesse período. Colegas da escola e companheiros da Escola Dominical. Um dos bons colegas, e companheiro de infância, foi o Joãozinho Lane, filho do Dr. Eduardo e D. Mary. Jogávamos bolinha de gude, peão, fazíamos nossas artes juvenis, e ele me ensinou a andar de bicicleta, ele e o irmão mais velho, Eduardo, estudante em Lavras.
Terminando o curso no IB, meu pai foi solicitado a administrar a construção de acréscimo a um dos prédios, bem como da reforma do telhado das instalações centrais. De novo a velha profissão de Mestre Carapina, foi útil, mas ficamos retidos em Patrocínio, durante todo o primeiro semestre de 1938, porque o tempo chuvoso atrapalhou a marcha das obras.
Entra em cena, novamente, o nosso Rev. David, nosso amigo do coração. Marcílio e Ninita, agora, estavam sendo convocados, para colaborarem com a Igreja de Araguari e seu campo. Fomos residir com os meus avôs, na residência deles, até que a Igreja adquirisse uma nova casa pastoral, para onde os missionários se mudaram, e nós fomos para a velha casa pastoral, muito grande, confortável, acolhedora e com o quintal enorme, com muitas árvores frutíferas. Que saudade daquela casa da rua Bueno Brandão.
Fui matriculado numa escola particular, porque no grupo escolar, sendo já meados de 1938, não havia como me receberem.
A Professora Estherzinha Goulart, prima de Gersonita, gozava de excelente conceito na escola, apesar desta ter uma forte orientação católica. O certo é que a minha base adquirida permitiu-me no período de segundo semestre de 1938 ao fim de 1939, fazer o terceiro ano, o quarto ano e o admissão. Com resultados mais que satisfatórios, com a observação: “plenamente aprovado”.
Concluindo o primário, feito o admissão ao ginásio, não houve condições para ingressar no ginásio. Em Araguari, os padres absorveram o sistema, logo só evangélicos com disponibilidade econômica, eram recebidos no Regina Pacis. E, como o Rev. David estava sendo transferido para a Igreja de Uberlândia, meus pais passaram à discrição de Missão, que os encaminhou para Estrela do Sul, localidade onde meu pai Milburges e minha madrasta e meus irmãos, meus avós maternos Vicente e Maria Augusta, minhas tias, tios e mais familiares do clã espanhol, não evangélicos, residiam. Foram dias alegres e felizes, mas curtos, porque um dos obreiros da Missão, evangelista em Ipameri, GO., não estava desfrutando de saúde, em virtude do clima lhe ser insalubre. Resultado... Lá fomos nós em julho de 1941, para Ipameri. O período de Estrela do Sul foi ameno, feliz e próspero para a Igreja, e nós, cercados pelo carinho e solicitude dos familiares, deixamos Marcílio e Gersonita incomodados com um sentimento de que esta atual transferência, não era muito justa. Entretanto, obedientemente, entregou-se nas mãos do Deus Eterno, e foram para Ipameri, GO.
De nada adiantou a permuta, pois o evangelista não se aclimatou a Estrela do Sul e não pôde permanecer ali. No momento, meus pais pensaram que tinha sido inútil a nossa mudança.
Já mencionei que após o admissão em Araguari, não tive como continuar, porque os evangélicos pobres eram discriminados pelos Padres, proprietários do Regina Pacis.
Pois bem, em Ipameri, nossa irmã D. Catharina Daher, professora do ginásio municipal, aconselhou a meu pai, matricular-me no ginásio, para aproveitar o semestre, no admissão, porque o curriculum tinha alguma diferença do curriculum de Minas Gerais. Foi uma decisão acertada e no começo de 1942, lá estava eu, finalmente, cursando a primeira série ginasial.

domingo, 1 de junho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 5

A chegada a Pouso Alto foi inesquecível. Os irmãos da pequena comunidade Presbiteriana nos aguardavam carinhosamente hospitaleiros. A mudança foi descarregada e acomodada numa das dependências do templo, cuja área residencial ainda estava ocupada pela família do antigo obreiro.
Como não havia uma residência urbana, fomos, por cerca de três meses, acolhidos na fazenda do Sr. José Alves Ferreira e D. Benedita Alves de Souza, cerca de três quilômetros da cidade. Para quem saíra da zona rural, em Araguari, nos foi gratificante aquele tempo na Fazenda Monjolinho.
“Tu serás uma bênção”, disse o Deus Eterno a Abraão.
Meus pais, na humildade deles, foram ricamente abençoados no relacionamento com os irmãos, os interessados, e moradores da cidade. O trabalho cresceu em número e na qualidade da vida cristã, e muitos simpatizantes acabaram por se decidirem pelo Evangelho. O Salão de cultos precisou ser aumentado mais que o dobro. O ofício antigo, de carpinteiro, foi de grande valia, porque meu pai arregaçou as mangas, pegou no serrote e no martelo, e o madeiramento ficou pronto e muito bem feito, o tempo não tirara o extra de Marcílio, o carpinteiro. O crescimento do trabalho incrementou-se de tal maneira que os irmãos, inclusive meu pai, se arrependeram de não terem feito um aumento maior. “A Igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número.” (Atos 9:31). “A Igreja tinha paz”. Alguns incidentes, que não vem ao caso aqui relatar, haviam abalado um tanto, a comunhão entre os irmãos. Todavia, a postura equilibrada, saudável e pacificadora, dos novos obreiros, lhes garantiu o respeito de uns e de outros. O antigo obreiro se envolvera com a política da terra, que naqueles dias, era violenta. Tempos da ditadura Vargas, e em Goiás a disputa pela preeminência política entre as forças políticas da época. A beligerância entre elas chegava às raias do absurdo. Perseguições, emboscadas e assassinatos. O prefeito oposicionista ao Governo da época, um bom e humanitário médico, Dr. Manuelito, foi vítima por duas vezes. Uma delas, durante nossa permanência na cidade. Meu pai foi procurado pelas lideranças, de um lado e do outro, a fim de que ele aceitasse a Prefeitura, pois segundo eles, meu pai tinha todas as qualidades necessárias e indispensáveis, para promover a paz e a concórdia entre as lideranças políticas. “Bem aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”.
A Missão Oeste do Brasil, que liderava a obra evangélica dos presbiterianos, no Brasil Central, e coordenadora do Instituto Bíblico de Patrocínio, anualmente, realizava em Patrocínio uma convenção, visando adequar as lideranças leigas, da região eclesiástica, às necessidades dos trabalhos eclesiais, como um todo, especialmente com o desenvolvimento pela Escola Dominical.
O que tem essa programática da Missão, com o esboço de minha vida?
Meus pais convidaram o irmão José Alves Pereira e a seu filho João Alves de Souza, a irem com eles para Patrocínio para participarem da Convenção, mas antes, a passarem em Araguari para visitarem os velhos Zéca Coelho e Isolina Goulart.
Já mencionei que vivíamos no tempo da ditadura Vargas, tempo de abusos inomináveis por parte das autoridades policiais. Os delegados, militares, muitos deles não passavam de “jagunços” (pistoleiros), uniformizados a serviço dos “chefetes políticos”, que por qualquer motivo, os mais comuns e não planejados, prendiam, submetiam a humilhações e espoliações. O carvoeiro do meu avô, entregando lenha na cidade, por infelicidade esbarrou no carro do prefeito, sem, contudo, causar-lhe nenhum arranhão. O carvoeiro, apelidado Neném, verificando não ter danificado o carro, e sem saber que era o carro do prefeito, (o médico que atendeu minha mãe e me trouxe a luz), retornou a fazenda. Mas, ali não chegou porque alguém havia comunicado à polícia que o alcançou antes de sair da cidade. Prenderam-no e abandonarão o carroção e os bois a deriva. Até que um morador daquele local, amigo do meu avô, conduziu o carroção até a fazenda. Alguns minutos após tudo isso ter acontecido, o delegado, Tenente Leôncio, acompanhado de dois soldados, chegaram e foram invadindo a residência. Teve aí, o início a sessão dos horrores. Meu avô teve que se vestir convenientemente, enquanto isso, brutalmente procuravam por dinheiro e jóias, rasgaram colchões, seqüestraram uma espingarda de pequeno calibre, e levaram meu avô e o trancafiaram na cadeia, depois de o acariciarem com sopapos e borrachadas. E ele, coitado, sem saber de nada. Enquanto isso o genro que deixara os irmãos de Pouso Alto na fazenda do avô, estava na cidade e ignorava o que estava acontecendo.
Na fazenda, um quadro de desolação, minha avó e mãe entraram numa crise nervosa profunda. Nossos irmãos visitantes estavam profundamente chocados e constrangidos com tudo aquilo. Felizmente, meu pai chegou da cidade, ele estava a cavalo. Tomando conhecimento das coisas, incontinente, a galope, retornou a cidade, indo diretamente ao Prefeito, que não autorizara aquela incursão e nem tomara conhecimento do ocorrido com o seu carro. De imediato, escreveu uma ordem de soltura para que meu avô fosse imediatamente liberado. Vovô foi solto, mas a velha espingarda não foi devolvida, nem queriam devolver o seu relógio de bolso, os seus óculos de aros de ouro, e vinte e cinco mil réis achados no bolso do meu avô. Os objetos acabaram sendo devolvido, graças à intervenção de meu tio Weiller Galante (o Nhônhô), irmão de minha mãe Camélia, e amigo do prefeito. Menos os vinte e cinco réis, valorizados naquele tempo.
A partir desses fatos dolorosos, meu avô, mineiro a antiga, só pensava em vender a fazenda e acompanhar o genro e a filha, mudando-se para Pouso Alto. Meu pai e os irmãos do Pouso Alto seguiram para Patrocínio e participaram da Convenção. (Participavam do evento muitos conferencistas de fora, missionários e pastores nacionais, líderes e educadores). Enquanto isso, minha mãe, avó e uma irmã de criação de minha mãe, a dedicada Tia Galdina, preparavam as coisas que seriam levadas na mudança. Muita coisa ficou para trás. Vovô encontrara logo um comprador que ofereceu um preço abaixo do mercado, mas o velho Zéca não queria permanecer por mais tempo em Araguari, depois de tudo o que sofrera.