quarta-feira, 18 de junho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 7

A congregação em Ipameri desfrutava de momentos felizes e promissores, o ambiente era agradável e solidário. Grandes e duradouras amizades, algumas antigas desde os tempos de Araguari, como o Sr. Armando Carneiro de Castro, tio dos Revs. Saulo de Castro e Wilson de Castro. Uma sua nora, viúva do Delermano, D. Guilhermina Carneiro Vaz, mãe de numerosa família, era uma mulher extraordinária. Crente fiel, ativa, generosa e liberal, desfrutando de recursos financeiros razoáveis, era proprietária de uma padaria e também uma fazenda para o norte do estado. Ela e minha mãe tornaram-se excelentes amigas, ambas haviam nascido no dia trinta de dezembro de 1900. Três de seus filhos foram meus colegas de admissão e primeira série, o Zé Vaz e a Dalva e a Lindomar (Fia).
Porém, o ano de 1943 trouxe novamente mudanças no plano educacional, com a transferência de meus pais, acompanhados, como sempre, dos meus avós, para Pouso Alto, ponto de referência nas mudanças do contexto de nossa família. Eu não os acompanhei, permaneci em Ipameri, desfrutando da hospitalidade de D. Guilhermina (D. Lilica). Os seus filhos José Carneiro, Dalva, Lindomar, Antônio (o Fifa) e Nanci (a Titã) e o Armando (o Zizito), em quarenta e três, foram para o Instituto Gamon, de Lavras, MG. Com a ausência deles, a minha situação ficou complicada, pois não dispondo de meios, não tive como adquirir o material escolar. Eu me beneficiara, sempre, compartilhando dos livros dos Carneiros Vaz.
Depois de alguns dias, eu decidia deixar o colégio, e por cerca de três meses, comecei a lidar na padaria, aprendendo logo o serviço de mesa, mas o que me deliciava era a oportunidade de conduzir o carrinho puxado a animal, para a entrega dos pães. O padeiro que trabalhava, também nesta entrega, fora acidentado e eu o acompanhava dirigindo o carro. Foi uma experiência agradável, mas os estudos abandonados.
Comuniquei aos meus pais a situação, e eles compreensivos, autorizaram o meu retorno ao lar. Retornar a Pouso Alto foi muito gostoso, pois tinha ali bons e queridos amigos da minha infância. Integrei-me logo no seio da mocidade, participei do pequeno coral, integrei, também, o Esforço Cristão, sociedade que aglutinava homens e senhoras, e entre ele um adolescente de quinze anos incompletos. Neste período, trabalhei como “amanuense” da Coletoria Municipal, no recadastramento dos contribuintes, aproveitando o racionamento do sal. Era ocasião da guerra. Muitos criadores declaravam uma quantidade de animais, muito aquém do que realmente possuíam. Agora, a coisa mudara, porque com o racionamento, cada proprietário receberia uma quota, aquém do necessário. A Prefeitura, desta maneira, atualizando o cadastro, fez novos lançamentos, o que aumentou a arrecadação para o ano de 1944. Mas o serviço foi concluído e eu fiquei desempregado. Porém, como a Prefeitura acabara de construir o novo grupo escolar e não tinha mão de obra para o assentamento dos vitrais, o meu pai que entendia do assunto e que estava colaborando como Tesoureiro da Prefeitura, substituindo um tesoureiro corrupto. Meu pai media, cortava os vidros, preparava a massa de fixação dos vidros, e preparou uma equipe para o assentamento, inclusive o filho, que além do serviço, ficou encarregado do apontamento, que avaliava o rendimento de cada um. O pagamento era proporcional ao rendimento de cada um, dada a urgência da obra. A vida é assim, de amanuense escrevendo a máquina e a mão, para vidraceiro sujo de maça e dente.
Finalmente, em 1944 o Rev. James Woodson, ofereceu-me uma meia bolsa, para o Couto Magalhães, em Anápolis, GO. A bolsa era restrita ao ginásio, mas não abrangia o internato, cama e mesa. Comecei uma outra fase de ocupação: a faxina da escola, o cuidado com os banheiros masculinos. Imaginem, o que a acontecia: meninos do primário, de lugares longínquos de Goiás, ao ponto de que nunca tinham usado uma privada patente com descarga, faziam suas necessidades, então, no piso do banheiro e eu tinha que limpar e lavar tudo. O estomago ficava todo embrulhado, porém, nunca me queixei, e nem comentei com meus pais.
Neste contexto, cumpre-me uma confissão inevitável, apesar de uma razoável aplicação pregressa, eu nunca fora um exemplo de comportamento. Vivia costumeiramente de arrepio com a disciplina escolar. Não era malcriado com os professores, nem briguento, mas achava-me o palhaçinho da classe, e reinava para valer. Quantas vezes, experimentei o desprazer de ficar de joelhos, sobre grãos de milho, na sala da diretora D. Iolanda, uma professora muito distinta, porém, da velha guarda. “A letra com sangue entra!”
Contudo, pelo fato de estar, agora, longe de casa, no internato, e tendo que trabalhar naquele custoso serviço, já referido, o meu temperamento extrovertido, moleque mesmo, foi arrefecido. Com isso, encarei seriamente os estudos, o serviço, já que o exílio tinha por objetivo definido: estudar. De sorte que, ao receber o primeiro boletim mensal, fiquei alegremente surpreso, com as notas e especialmente, pelas observações: Aproveitamento: ótimo; Comportamento: ótimo. Meus pais, ao receberem o Boletim, escreveram-me, cumprimentando-me pela vitória, inclusive o meu pastor Rev. James Woodson.
Esta experiência positiva, à partir daí, determinou uma mudança radical no meu comportamento. Tanto assim, que depois de dois meses, o Prof. Brasil, promoveu-me a auxiliar de disciplina do colégio, integrando-me à equipe, por ele escolhido, para tal fim. Sentir-me útil e responsável foi muito gratificante, os resultados acompanharam-me para sempre, e nunca mais fui castigado por indisciplina. Passei a ver os meus professores como bons e respeitáveis amigos e fui recompensado pela estima deles.
Todavia, algumas atitudes do diretor, apesar de espontâneo e às vezes brincalhão, eram incompreensivelmente autoritárias e arbitrárias. Naquele tempo, quiçá, muito preocupado com dinheiro. Tanto assim, que para ter espaço à mesa do refeitório, tive que cuidar da alimentação, procurando a pensão de D. Tia Couto (abençoada irmã que me tratou mais como filho do que freguês); quanto ao dormitório, no velho salão de culto presbiteriano, passei a dormir numa dependência inacabada, nos fundos do terreno, compartilhando com o “marceneiro”, João Alvim, um espaço nas dependências da sua oficina.
Surpreenderam-se comigo, pois somente, agora, quando comecei a alinhavar estas memórias é que me conscientizei de que tendo o curso ginasial, já coberto pela bolsa oferecida pelo Rev. James Woodson, e não me alimentando e nem mais dormindo no dormitório, eu continuei com aquelas atividades que complementariam as minhas despesas. Só hoje é que eu me dei conta do acontecido. Contudo, dou graças a Deus por tudo.

Um comentário:

leh disse...

quando a gente está fazendo tudo de acordo com o q DEUS quer, faz até além daquilo q se é combinado e faz bem feito e feliz ... q bençao!!