segunda-feira, 23 de junho de 2008

ESBOÇO DE UMA VIDA - parte 8

Bem, o certo é que o meu relacionamento com o Dr. Brasil ficou arranhado e por isso não me senti encorajado a enfrentar a situação. Fizera a segunda série ginasial e de posse da competente transferência, fiquei de férias durante todo o ano de 1945. O tempo era ocupado com atividades na igreja, desfrutando com meu avô e com o amado irmão, Sr. Manoel Calixto (hoje centenário em Brasília), da caça e pesca, nosso esporte preferido. Outro passa tempo, talvez incompreensível para muitos, era estar na fazenda do Sr. José Alves Ferreira, Fazenda Cachoeira, bem maior que a do Monjolinho, doada a um dos genros, enquanto ali, auxiliava nas lidas da fazenda, “batendo pastos” com foice, ajudando na fabricação de tijolos (tinham uma olaria de bom tamanho na fazenda), ou, o que mais me agradava, fazer, a cavalo, o remanejo do gado nas invernadas. Tudo isso, é claro, sem nenhuma remuneração, pois o que contava era sentir o carinho e a amizade daquele ancião muito especial, o patriarca de uma grande família, como também da Comunidade Presbiteriana.
Em 1944, último domingo de julho, fiz a minha Profissão de Fé, com o Rev. James R. Woodson, o pastor que me batizou na minha infância. Tinha eu, quinze anos e tive como companheiro, o irmão Luiz Elias Ferreira, Maria Elias (a tia) e Divina Alves de Souza (nora de José Alves). Luiz Elias é hoje Presbítero Emérito da Igreja, e as duas irmãs continuam firmes na fé.
Retornando a 1945, nós temos como marco político-histórico muito importante para o Brasil, o fim do período da ditadura Vargas e inicia-se o período democrático-representativo, com a eleição do Mal. Eurico Gaspar Dutra, como Presidente da República. Neste ano de 1945, o mundo começou a desfrutar de paz, com o fim da guerra 1940-1944, e no Brasil, o novo governo e o Congresso, resolveram mudar os nomes de várias cidades brasileiras. Assim é que Pouso Alto passou a ser chamada de Piracanjuba, em virtude do Rio Piracanjuba que lhe cortava as terras.
Nosso irmão Luiz Elias Ferreira, resolveu construir a sede de sua fazenda, São Pedro. Para a realização do projeto, foi contratado o nosso irmão Sr. José Elias, querido irmão dos meus tempos de infância, seus filhos meus companheiros daqueles tempos, tinha sua equipe de pedreiros, serventes, nosso irmão Paulico, um rapaz meio simplório, o Pedrão, e o Joãozinho (filho do Sr. José Elias). Joãozinho era meu companheiro inseparável, mas durante o tempo da construção ele estaria na fazenda. Entretanto, como o serviço carecia de mão de obra, eu me ofereci para ser mais um servente. O salário era de dez mil réis por dia, mas como eu não tinha nenhuma experiência, eu me propus ganhar sete mil réis. Proposta irrecusável para a “mãozinha fechada” do “seo” Zé Elias. Foi um período duro: suprir os pedreiros (muito rápidos) de tijolos e barro, e naqueles dias era necessário cortar a madeira na mata, puxa-la com o auxílio de bois, e depois serra-la, nas proporções necessárias ao madeiramento: vigotas, caibros e ripas. Foi uma boa escola, não resta dúvida.
Nesta ocasião, meus pais tinham viajado para Campinas, SP., onde meu pai se submeteu a uma cirurgia nos olhos. De Campinas, eles foram a Jaboticabal, visitar o casal de missionários Dr. Lane e D. Mary (antigos missionários em Araguari e Patrocínio). D. Mary, ao tomar conhecimento das dificuldades que os velhos amigos Marcílio e Ninita, estavam tendo com a minha educação, influenciou seu esposo Eduardo Lane a pedir a transferência deles para Jaboticabal, porque eles estavam se aposentando e de mudança para Campinas. A Missão aprovou a indicação. De sorte que, ao retornarem à Piracanjuba, fomos impactados fortemente com a notícia, que nos deram. A Igreja ficou muito consternada, porque o relacionamento com os obreiros, e a família dos mesmos, era excelente. Meus pais, ao chegarem de Campinas se surpreenderam, por não me encontrarem em casa e, mais ainda quando souberam que eu estava trabalhando de servente de pedreiro, para o “seo” Zé Elias, na construção do Luiz Elias. Chamaram-me incontinente, porque era necessário que eu, também, tomasse conhecimento dos novos planos, os quais, certamente, determinariam mudanças sérias em nossas vidas, particularmente quando eu me sentia como “o motivo” dessas decisões. Confesso que, de imediato, resisti à idéia de mudar-me para o Estado de São Paulo. Meu avô partilhava desse sentimento, mormente porque estava de negócio quase fechado, com uma fazendola, próxima à cidade, com muita água, boas terras, e instalações muito boas e adequadas, e ele, praticamente, estava contando com a minha participação, já que o neto era o objetivo especial, daquele projeto.
Em janeiro de 1946, nos transferimos de Piracanjuba, Goiás, para Jabotical, São Paulo, após uma despedida embebida em lágrimas e muito pesar. Como é preciosa a amizade cristã, quando legítima e autêntica. A distância agora era grande, mas a amizade nutrida e fortalecida ao longo de tantos anos, permaneceria firme, até os dias atuais.
Partimos nós, deixando para trás amigos mais queridos que irmãos, inconsoláveis e não entendendo a razão de ser dessa abrupta mudança. Entretanto, a Palavra nos declara: “Os meus pensamentos e os meus caminhos, são mais altos que os vossos caminhos e pensamentos”.
Entregamo-nos, simplesmente, às mãos da Providência.

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